8.16.2011

harmless


Acordou no meio da madrugada mergulhando na alma humana, onde o escuro se afastava quando acendia as luzes, e projectava bruscamente contra as paredes brancas as sombras que o perseguiam.  
Caminhou, tropeçando nos caixotes das mudanças, enquanto o silêncio perdido, que estava tão presente, devorava em dentadas o pequeno quarto. Somente as passadas pequenas e desajeitadas, com os pés descalços sobre o soalho de madeira, eram ouvidas pelos vizinhos de baixo, que ansiosos esperavam algum ruído estranho que anulasse as comuns caminhadas dos gatos no telhado.
Deu um gole rápido na garrafa de água, escorrendo pelo seu queixo umas quantas gotas que colidiram com o chão, ecoando no vazio do silêncio, como uma pequena explosão, e aí, ouviu-se o tilintar mínimo de uma colherzinha de chá nas chávenas de porcelana trabalhada.
Respirou fundo e pousou a garrafa, no chão, ao fundo da cama, e sentou-se, com o olhar fixo na janela fechada, onde o nevoeiro da rua embaciava os vidros, cegando os seus olhos e embaciando a sua vista.
Os seus dedos percorreram os seus cabelos, e passados poucos segundos de ter ouvido a velha lâmpada da sala de estar, que ficava lá em baixo, desligar, cambaleou até à janela embaciada, correndo as cortinas, que deslizaram no corrimão suavemente.
Sabia que todos estavam bem, deitados nas suas camas de lençóis de flanela, a dormir em paz, enquanto o vento percorria todas as ruas, em busca de algum mero sinal de vida, que não fossem os gatos vadios que dormiam nos telhados.
E por fim, quando se recostou na almofada, um enorme e violento ruído atravessara o seu peito, esmagando-o de medo e afastando todos os gatos sarnentos do telhado.
Eram três horas e quarenta minutos, e tinham passado exactamente oito segundos, desde que uma bala perdida havia encontrado um inocente, algures na rua adormecida onde o nevoeiro valsava.  

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